terça-feira, 14 de julho de 2009

Jung, o bruxo

Ultimamente a inspiração em mim tem se direcionado para longe do reino das palavras. Meus pensamentos constróem belos textos e metáforas. Meus sonhos me mostram poderosas imagens. Minha visão me permite enxergar coisas que antes não existiam. Entretanto, a teia de energia do mundo das idéias não tem se manifestado na arte da construção material, na expressão da palavra.

Enquanto isso, as leituras seguem se somando, criando interessantes redes de conhecimento... abaixo reproduzo um trecho de um livro do Jung chamado "Arquétipos e inconsciente coletivo". Neste texto ele fala de uma maneira lírica, profunda e bela sobre a busca do auto conhecimento, a amizade e o encontro com a própria sombra e a necessidade de explorar outras realidades para vencer certos obstáculos. Jung com certeza era um grande bruxo e deixou um legado que começo a descobrir deslumbrado...

“Verdadeiramente, aquele que olha o espelho da água vê em primeiro lugar sua própria imagem. Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fiel­mente o que quer que nele se olhe; ou seja, aquela face que nunca mostra­mos ao mundo, porque a encobrimos com Ά persona, a máscara do ator. Mas o espelho está por detrás da máscara e mostra a face verdadeira.

Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior, uma prova que basta para afugentar a maioria, pois o encontro consigo mesmo per­tence às coisas desagradáveis que evitamos, enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta. Se formos capazes de ver nossa própria sombra, e suportá-la, sabendo que existe, só teríamos resolvido uma pequena par­te do problema. Teríamos, pelo menos, trazido à tona o inconsciente pes­soal. A sombra, porém, é uma parte viva da personalidade e por isso quer comparecer de alguma forma. Não é possível anulá-la argumentando, ou torná-la inofensiva através da racionalização. Este problema é extrema­mente difícil, pois não desafia apenas o homem total, mas também o ad­verte acerca do seu desamparo e impotência. As naturezas fortes - ou de­veríamos chamá-la fracas? - tal alusão não é agradável. Preferem in­ventar o mundo heróico, além do bem e do mal, e cortam o nó górdio em vez de desatá-lo. No entanto, mais cedo ou mais tarde, as contas terão que ser acertadas. Temos porém que reconhecer: há problemas simplesmente insolúveis por nossos próprios meios. Admiti-lo tem a vantagem de tor­nar-nos verdadeiramente honestos e autênticos. Assim se coloca a base para uma reação compensatória do inconsciente coletivo; em outras pala­vras, tendemos a dar ouvidos a uma idéia auxiliadora, ou a perceber pensa­mentos cuja manifestação não permitíamos antes. Talvez prestemos aten­ção a sonhos que ocorrem em tais momentos, ou pensemos acerca de acon­tecimentos ocorridos no mesmo período. Se tivermos tal atitude, forças auxiliadoras adormecidas na nossa natureza mais profunda poderão des­pertar e vir em nosso auxílio, pois o desamparo e a fraqueza são vivência eterna e eterna questão da humanidade. Há também uma eterna resposta a tal questão, senão o homem teria sucumbido há muito tempo. Depois de fazermos todo o possível resta somente o recurso de fazer aquilo que se fa­ria se soubéssemos o quê. Mas em que medida o homem se conhece a si mesmo? Bem pouco, como a experiência revela. Assim sendo, resta mui­to espaço para o inconsciente. Como se sabe, a oração exige uma atitude semelhante. Por isso tem um efeito correspondente.

A reação necessária e da qual o inconsciente coletivo precisa se ex­pressa através de representações formadas arquetipicamente. O encontro consigo mesmo significa, antes de mais nada, o encontro com a própria sombra. A sombra é. no entanto, um desfiladeiro. um portal estreito cuja dolorosa exigüidade não poupa quem quer que desça ao poço profundo. Mas para sabermos quem somos, temos de conhecer-nos a nós mesmos, porque o que se segue à morte é de uma amplitude ilimitada, cheia de in­certezas inauditas, aparentemente sem dentro nem fora, sem em cima, nem embaixo, sem um aqui ou um lá, sem meu nem teu, sem bem, nem mal. É o mundo da água, onde todo vivente flutua em suspenso, onde co­meça o reino do "simpático" da alma de todo ser vivo, onde sou inseparavelmente isto e aquilo, onde vivencio o outro em mim, e o outro que não sou, me vivência.”

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