quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
...basta sentir
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Elemento Água
a consistente descontinuidade
Com sono, encostado na cadeira, me ponho a divagar com a mente errante. Meus pensamentos passeiam no ar pesado da noite sem vento à espera da chuva que se aproxima. Alguns raios e trovões rasgam o tom laranja escuro do céu de novembro. Em mim, o silêncio. A consistência. Tudo são possibilidades construídas através de escolhas. É sempre mais fácil saber para onde ir quando se ouve a voz do coração.... bom, mas o que sei eu sobre a vida? Não mais do que é possível saber... os mecanismos básicos de funcionamento... a observação de alguns padrões... um pouco de conhecimento e, sobretudo, uma profunda admiração pelo mistério que constitui a maior parte do que fomos, somos e seremos...e seremos serenos se aceitarmos nossa absoluta insignificância frente ao todo... do 8 nasce a representação do infinito... somos apenas mais um fio na intrincada teia da imensidão... uma inusitada mistura de humano com deus... e aqui, nesse panorama tão singular, inúmeros caminhos se revelam.. como flores desabrochando no campo... poesia urbana na avenida.. pequenas histórias.. cantos ao luar... tragédias, comédias, tangos... momentos... muitos momentos..
...silêncio...
grilos na rua.... vento nos galhos... janela batendo
...começa a chuva lá fora, lavando a alma.. levando embora o que não é mais necessário..
.. vou me deitar para ouvir a sinfonia das gotas e dormir com o cheiro de terra molhada...
Salve a consistente descontinuidade da existência!
terça-feira, 10 de novembro de 2009
Qual o alcance da razão?
De um imenso e infinito todo, o cérebro compreende uma mínima parte, como os olhos de um astronauta no espaço buscando a macieira no quintal de casa. Todo entendimento humano limitado a um corpo e uma mente, abruptamente separados pela razão, é parcial, assim como toda verdade, toda criação, e toda fração de segundo. O mundo é uma sobreposição constante de instantes em transformação. A consciência é o espectador que tenta ajustar o espetáculo múltiplo e difuso da vida à sua própria capacidade limitada. Algo como tentar colocar o oceano dentro de uma caixa de sapatos. Por sorte, quanto maior for o tamanho da caixa, tanto maior será a capacidade de sentir o mar. Trabalhar na ampliação da caixa implica em partir para uma jornada sem volta rumo a si mesmo. Um percurso no qual o destino final está sempre em movimento, e caminhar é tudo que resta. Felizmente, por maior e mais longa que seja a estrada, a cada pequeno passo (enquanto o passado desaparece e o futuro ainda não existe) renovam-se a fé, a esperança, a confiança, e o amor....
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Confuso, mas confiante
Eu vi a resposta andando por aí
E saí em sua perseguição
Subi montanhas, cruzei rios
Pulei abismos, atravessei pontes
E ela sempre lá na minha frente...
Quando finalmente a alcancei
Percebi que minha pergunta tinha mudado
E que agora a resposta não fazia mais sentido
E nem mesmo poderia ser chamada assim
Sendo apenas mais uma frase solta no ar
...agradeci e segui em frente...
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
Shortcuts
terça-feira, 22 de setembro de 2009
Devaneios do 30º equinócio
sábado, 12 de setembro de 2009
pílula de sabedoria
sábado, 29 de agosto de 2009
Entre mágicas e abóboras
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
O constante movimento
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Encontros musicais
segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Saudades da eternidade
Escondem-se segredos distantes
Histórias de outros tempos
Memórias confusas do passado
Enquanto sonho acordado
Meu olhar se funde ao vôo da águia
No mergulho aéreo do espírito
Que anseia pelo retorno ao lar
Em meu peito um sentimento flui
Saudades de quem já fui
Na imensidão deste universo sem fim
quinta-feira, 30 de julho de 2009
Desatando-nós
sexta-feira, 24 de julho de 2009
Nas entrelinhas do óbvio
sábado, 18 de julho de 2009
Três coisas que não voltam
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Sabedoria do urso
terça-feira, 14 de julho de 2009
Jung, o bruxo
“Verdadeiramente, aquele que olha o espelho da água vê em primeiro lugar sua própria imagem. Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja, aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com Ά persona, a máscara do ator. Mas o espelho está por detrás da máscara e mostra a face verdadeira.
Esta é a primeira prova de coragem no caminho interior, uma prova que basta para afugentar a maioria, pois o encontro consigo mesmo pertence às coisas desagradáveis que evitamos, enquanto pudermos projetar o negativo à nossa volta. Se formos capazes de ver nossa própria sombra, e suportá-la, sabendo que existe, só teríamos resolvido uma pequena parte do problema. Teríamos, pelo menos, trazido à tona o inconsciente pessoal. A sombra, porém, é uma parte viva da personalidade e por isso quer comparecer de alguma forma. Não é possível anulá-la argumentando, ou torná-la inofensiva através da racionalização. Este problema é extremamente difícil, pois não desafia apenas o homem total, mas também o adverte acerca do seu desamparo e impotência. As naturezas fortes - ou deveríamos chamá-la fracas? - tal alusão não é agradável. Preferem inventar o mundo heróico, além do bem e do mal, e cortam o nó górdio em vez de desatá-lo. No entanto, mais cedo ou mais tarde, as contas terão que ser acertadas. Temos porém que reconhecer: há problemas simplesmente insolúveis por nossos próprios meios. Admiti-lo tem a vantagem de tornar-nos verdadeiramente honestos e autênticos. Assim se coloca a base para uma reação compensatória do inconsciente coletivo; em outras palavras, tendemos a dar ouvidos a uma idéia auxiliadora, ou a perceber pensamentos cuja manifestação não permitíamos antes. Talvez prestemos atenção a sonhos que ocorrem em tais momentos, ou pensemos acerca de acontecimentos ocorridos no mesmo período. Se tivermos tal atitude, forças auxiliadoras adormecidas na nossa natureza mais profunda poderão despertar e vir em nosso auxílio, pois o desamparo e a fraqueza são vivência eterna e eterna questão da humanidade. Há também uma eterna resposta a tal questão, senão o homem teria sucumbido há muito tempo. Depois de fazermos todo o possível resta somente o recurso de fazer aquilo que se faria se soubéssemos o quê. Mas em que medida o homem se conhece a si mesmo? Bem pouco, como a experiência revela. Assim sendo, resta muito espaço para o inconsciente. Como se sabe, a oração exige uma atitude semelhante. Por isso tem um efeito correspondente.
A reação necessária e da qual o inconsciente coletivo precisa se expressa através de representações formadas arquetipicamente. O encontro consigo mesmo significa, antes de mais nada, o encontro com a própria sombra. A sombra é. no entanto, um desfiladeiro. um portal estreito cuja dolorosa exigüidade não poupa quem quer que desça ao poço profundo. Mas para sabermos quem somos, temos de conhecer-nos a nós mesmos, porque o que se segue à morte é de uma amplitude ilimitada, cheia de incertezas inauditas, aparentemente sem dentro nem fora, sem em cima, nem embaixo, sem um aqui ou um lá, sem meu nem teu, sem bem, nem mal. É o mundo da água, onde todo vivente flutua em suspenso, onde começa o reino do "simpático" da alma de todo ser vivo, onde sou inseparavelmente isto e aquilo, onde vivencio o outro em mim, e o outro que não sou, me vivência.”
sábado, 4 de julho de 2009
Aceitar e agradecer
quinta-feira, 25 de junho de 2009
Torna-te quem tu és
Tornar-te quem tu és implica em uma escolha e um comprometimento. Trata-se do encontro entre o ser e sua essência divina. O autoconhecimento é o caminho pelo qual podemos assumir nosso papel na evolução do coletivo, construindo aqui nesse plano um padrão mais alto de energia, e traduzindo a sabedoria do universo nos atos cotidianos. Somos todos co-criadores ilimitados e responsáveis por aquilo que fazemos de nossas vidas.
Quem é você? Torna-te quem tu és, liberta-te das amarras e da dualidade através da fé e da busca pelo encontro pleno consigo mesmo.
domingo, 21 de junho de 2009
Em uma noite de domingo
Um pensamento distante
Um instante, um só instante
Os olhos marejados
A boca entreaberta
O som do passado
O peito calado
Melancolia de domingo
Acorda sonhando
Amanhece sorrindo
E dorme sentindo
terça-feira, 16 de junho de 2009
Caleidoscópio
terça-feira, 9 de junho de 2009
Simples virtudes
Teorize menos e viva mais !
terça-feira, 2 de junho de 2009
Concrete Jungle
domingo, 31 de maio de 2009
Carta do chefe Seattle
Resposta do cacique Seattle ao presidente americano F. Pierce que tentava comprar as suas terras. Um exemplo de consciência holistíca e ecológica e uma amostra da sabedoria de nossos ancestrais indígenas.
"O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro: o animal, a árvore o homem, todos compartilham o mesmo ar. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao (seu próprio) mau cheiro. (...)
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se nós decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos
O que é o homem sem os animais? Se os animais se fossem, o homem morreria de uma solidão de espirito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma lição em tudo. Tudo está ligado.
Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com a vida de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas: que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer a terra acontecerá também aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.
Disto nós sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem é que pertence à terra. Disto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.
O que ocorre com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu a teia da vida: ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizermos ao tecido, fará o homem a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala como ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos ( e o homem branco poderá vir a descobrir um dia): Deus é um só, qualquer que seja o nome que lhe dêem. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem e sua compaixão é igual para o homem branco e para o homem vermelho. A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar o seu Criador. Os homens brancos também passarão; talvez mais cedo do que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.
Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente iluminados pela força de Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos das florestas densas impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruídas por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a água? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.
Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece um pouco estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los.
Cada pedaço de terra é sagrado para o meu povo. Cada ramo brilhante de pinheiro, cada punhado de areia das praias , a penumbra da floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência do meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho...
Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz dos meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhe vendermos nossa terra vocês devem lembrar e ensinar para seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem, dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra tudo que necessita. A terra, para ele, não é sua irmã, mas sua inimiga e, quando ele a conquista, extraindo dela o que deseja, prossegue seu caminho. Deixa para traz os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa...Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
Eu não sei... nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez porque o homem vermelho seja um selvagem e não compreenda.
Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater de asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta de um homem, se não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros."
sábado, 30 de maio de 2009
Na altitude
Hoje vivo intensamente sensações aleatórias...
Viajando por dimensões cósmicas do além-mundo
Soltei as amarras que se insinuavam em minha volta
As mesmas que prendem ao estigma do cotidiano
Homens sem vontade... corpos sem coragem
Ignição... partida!
Aprendi a exercer a potência de minhas sinapses
No máximo oculto da intensidade de minha alma
Que se movimenta e se expande
Quando vivencio uma nova realidade
Além dos sentidos...
As variações do mesmo tema são infindáveis
Desdobram-se umas sobre as outras no vácuo da existência
Elevando e sublimando minha consciência...
No torpor da altitude enxergo com clareza
Vejo com os olhos de minha plenitude...
Aqueles que desconhecem as formas
Mas percebem os conteúdos
quinta-feira, 21 de maio de 2009
Sobre o tempo
terça-feira, 19 de maio de 2009
Lugar de ser feliz não é supermercado
O dia é quente. Do asfalto sobe um vapor denso que parece sólido. Parado na esquina ele acompanha o movimento com os olhos. Carros, pessoas, buzinas, policiais, ônibus, pizzas e auto-falantes... cotidiano puro e cristalino. Ele se sente entediado... não sabe bem por que esse vazio o consome... decide então se movimentar... caminha por alamedas, ruas tortuosas, passeios públicos.... casas caindo na calçada, uma mansão, uma visão, outra vida, observação... cachorros, postes, uma aglomeração... semáforo, esquinas, faixa de pedestres, vento quente e uma divagação... fim da calçada... chega na beira do rio... senta em uma pedra, a mais alta que ele consegue encontrar. Olha o horizonte: um pássaro, um lixo que bóia, uma vela, margem e correnteza, uma fortaleza. Por uns minutos esquece da confusão se perdendo no emaranhado de sua própria memória. Lembra do tempo em que as coisas eram feitas para durar... da época em que tudo parecia ser mais simples, menos tumulto, menos agressão, menos excesso. Então subitamente acordado da viagem mental, volta a encarar a realidade suja e abafada da quarta-feira de verão na cidade. Inicia uma busca, uma caçada pela culpa dentro de si mesmo. Onde no caminho teria ele perdido a trilha que leva à felicidade? Por mais longa que fosse a conexão de seus pensamentos não conseguia encontrar coisa alguma que fizesse sentido. Ele tinha um bom emprego, dinheiro não faltava, tinha uma família, carinho, atenção, admiração, sucesso, respeito e acima de tudo vida... sim... por mais esvaziado que estivesse sabia estar vivo e isso representava toda a esperança que nutria nesse momento. Quantos não dariam tudo para ser ele? Quantos não tinham uma inveja visceral de sua condição? Não, não, não... estaria ficando louco? O que seria então a loucura? Rejeitava completamente a possibilidade de que naquele dia, naquele momento, houvesse uma saída para sua agonia... tinha lutado por toda sua vida para alcançar status... para ascender, subir, atingir o ápice... e agora o alpinismo social tinha feito dele uma marionete... sim... sim... sim... alpinismo social que tirou o oxigênio de sua alma como ocorre com os montanhistas nas grandes altitudes... todos os seus atos regidos por uma demoníaca ambição alimentavam seu ceticismo frente à metafísica... sua descrença no ser humano... sua ausência de valores... então de repente ele pára... fica imóvel... nem as idéias passam... olha no relógio cabisbaixo, é hora de ir ao supermercado... hora de voltar a ser um ser qualquer... mas ele não tem vontade... preferia continuar indiferente, mas dirige seu carro pelas ruas movido pela energia da inércia... de novo passa por avenidas, esquinas, futebol, telenovela na vitrine, pessoas apressadas, pessoas exageradas... chegando no templo do consumo ele pega um carrinho e inicia a jornada pela terra das marcas... primeiro corredor: queijo, presunto, uma fila, pão, salsichas e calabresa... segunda corredor: massa, queijo ralado, molho de tomate, milho, ervilha, uma lata cai no chão, aspargos (ele adora aspargos)... terceiro corredor: suco, refrigerantes, cervejas e uma garrafa de vodca... quarto corredor: escova de dente, pasta de dente, escolhe o desodorante, o shampoo está acabando, fio dental, rolo de papel higiênico... se sente cansado... chateado... agoniado... caminha até a fruteira e compra ovos, alface, tomate, cebola, batata, couve-flor... queria rabanete, mas acaba levando quiabo... chegando no açougue escolhe o bife, o frango, pede guisado, espera olhando para a parede descascada... queria tanto saber voar, saber separar o corpo da alma para levitar por campos de flores amarelas e vermelhas na infinitude de seu paraíso pessoal... lentamente se arrasta até o caixa... já não se sente tão mal, agora está pior... seus olhos piscam freneticamente, sua boca se contrai espontaneamente... ele pode sentir a pressão da tensão que quase arrebenta seus músculos rígidos... em sua cabeça uma dor... em sua testa uma tonelada de preocupações... a última compra... passa pelo caixa que diz o valor... tira seu cartão de crédito do bolso com as mãos trêmulas e estende para o atendente... assina o comprovante, guarda a nota... vai até o carro... abre o porta-malas... joga as sacolas... um fluxo de energia vindo do umbigo sobe até os cabelos... ele bate a porta... esmurra o volante... sente sua apatia se transformar em raiva... liga o carro, sai da garagem e olha o relógio... é hora de buscar a mulher e os filhos... é hora de ser o bom marido novamente... de representar o papel mais conhecido de sua pífia vida... dobra uma esquina... sinal vermelho... ele pára... ele escuta... ele pensa... longe ouve gritos... ouve uma buzina... o sinal abriu e ele não viu.... arranca, corre, acelera... quer atingir a velocidade de escape... sim... velocidade de escape... em sua mente essa última palavra brilha intensamente... como se acendesse uma luz na escuridão de uma caverna: ESCAPE! E então ele vira à direita... e outra direita... está na estrada... se distanciando... se distanciando... passa uma hora e ele continua dirigindo... o celular toca... ele olha... é sua esposa... num movimento arremessa o aparelho pela janela... se sente mais leve... mais calmo... abre os olhos... levanta a cabeça... estufa o peito... se sente em controle... expandindo... crescendo... na beira da estrada um menino sentado... ele pára... quer fazer algo por alguém... abre o porta-malas... tira as compras e deixa do lado do garoto... entra no carro correndo e rindo... um riso histérico lisérgico... uma leveza transcendental... dirige mais um pouco... encosta o carro na beira da lagoa... coloca o ponto morto ... sai do carro e empurra, empurra, empurra... assiste o carro afundando lentamente... lentamente... lentamente... e ri... ri tão alto que cansa... o sol está se pondo... pela primeira vez nos últimos tempos está alegre... tranqüilo... quieto... completo... caminha sem direção... lembra do gato de Alice: tanto faz o caminho para quem não sabe aonde quer chegar... uma última risada... um último suspiro... e ele entra noite adentro destemido... indo para algum lugar onde se possa ser feliz...(o que quer que isso signifique)...
Escrito em Janeiro de 2005 - reencontrado após anos perdido