quinta-feira, 21 de maio de 2009

Sobre o tempo

Com um copo de água na mão, parado na cozinha, olhando o céu nublado pela janela, se pôs a pensar. Tinha desenvolvido o hábito de abandonar o corpo parado em um certo lugar, enquanto colocava os pensamentos a caminhar. Também gostava de pensar caminhando, ou de pensar com os pés, como haviam lhe dito certa vez. O mais importante não era o meio, mas sim a distância e a profundidade da viagem. E nestes constantes deslocamentos de nexo e espaço, acabou criando afinidade especial com alguns devaneios que particularmente lhe agradavam. Eles eram de um tipo capaz de desafiar o senso de realidade. Um de seus temas prediletos era o tempo. Em longas conversas ébrias já havia divagado sobre sua inexistência, defendendo o conceito de que a organização do tempo, o relógio, o sistema de horas, minutos e segundos, não passava de uma convenção criada pelo homem, e para o homem. Nesse ponto defendia a relatividade absoluta de toda percepção. Afinal, como certos dias passam mais rápidos que outros? Como minutos levam semanas, e como semanas passam em um punhado de dias? Eram argumentos falíveis, porém aceitáveis, centrados em nossa limitação perceptiva (ou seria em nossa desprezada supercapacidade perceptiva) de internalizar o horário (ou de perceber muito além dele). Isso, dizia ele convicto, não nos pertence. Não existe. Não faz parte da natureza. Natural é ser, estar e permanecer, sabendo que cada pequeno momento carrega em si um grande poder, o milagre da existência.


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