sábado, 21 de março de 2009

O que você faria se hoje fosse seu último dia?

Este é outro texto mais antigo.. escrito em algum dia perdido no ano de 2005... gosto muito dele.. tem ritmo..


O que você faria se hoje fosse seu último dia?

Abriu os olhos ainda deitado na cama e ficou a meditar. De alguma forma sabia que finalmente havia chegado a hora de seu fim. Por toda sua vida havia se concentrado em ser alguém íntegro, único, completo e vacilava nos momentos de decisão. Hoje seria diferente, pensava ele, só hoje, amanhã não mais existirá. Todos têm em algum momento de suas existências um encontro inevitável com o desconhecido. Aquele instante que dissolve todas as diferenças expondo o ser humano a sua fragilidade carnal, a sua insignificância mundana, a realidade orgânica por trás dos ornamentos materiais. Todos sem exceção, independente de classe, cor ou crença, enfrentam a provação do ritual de passagem que é a única coisa certa em meio a tantas convicções que se acabam como castelos de areia à beira mar. Ele imaginava de que cor seria o final de tudo... Achava que para muitos a lembrança deveria ser o devastador e onipresente preto, mas não para ele... Ele via o branco, branco como tudo aquilo que não pode ser descrito. Preferia assim, a claridade era bem mais confortável, bem mais cheia de sentido que o peso da escuridão eterna. Uma rajada de vento interrompeu suas divagações. A natureza avisava que uma chuva estava próxima. Lentamente levantou e se vestiu, não tinha pressa, não existe tempo nem caminho certo para quem não sabe onde vai. Tanto faz! Essa incerteza soava como uma poesia para seus ouvidos. A brisa, a dúvida, o momento, o fim: tanto fez, tanto faz! Fechou as janelas, fechou o roupeiro, fechou a porta da frente, estava na rua. Olhava incrédulo para as nuvens no céu. Nunca antes havia percebido tantas cores em um dia cinzento, afinal, pensava ele, no fim de tudo as cores estão nos olhos de quem vê, assim como a beleza. Caminhou até a beira da praia. Era de uma vasta imensidão sua alma. Respirava fundo e quando inspirava tinha a nítida sensação de que o universo inteiro entrava por suas narinas se espalhando por todos seus poros. Era uma energia forte que pendia sua cabeça para trás em um gesto de êxtase pleno. Fechava os olhos para enxergar melhor com a alma. Queria ver mais e mais longe onde fica algo próximo do que todos insistem tanto em chamar de verdade. Viu claramente que a única verdade é ser feliz... ah sim... deveria existir uma única palavra para os dois termos... verdade = felicidade... uma equação tão próxima e tão distante dos que ainda tem a vida inteira pela frente para se complicar. Dias antes, planejando esse momento, lhe ocorreu uma dúvida reticente: sentia que em seu derradeiro existir deveria buscar seu amor mais profundo para dizer adeus. Decidiu que seria apenas uma pessoa, pois não teria tempo para mais do que isso. Ele ia e voltava andando em círculos tentando responder essa pergunta: quem seria seu verdadeiro amor? Mulheres inesquecíveis haviam passado por sua vida, lembrava de sua família e sentia seu coração apertar... Não seria justo fazer tal escolha, acabou desistindo... ah mas naquele dia, o dia D, naquele instante, parado à beira mar sob a linha cinza do céu, teve a certeza de estar no lugar certo. Somente ali, diante da vasta imensidão oceânica poderia abraçar a todos que quisesse ao mesmo tempo com toda sua força. Suspirava...ergueu as mãos aos céus... um arrepio em sua pele... o barulho das ondas, o vento em seus cabelos e a ampla solidão calma da água sem fim... se emocionou... estava pulsando...podia ouvir em seu peito a batida de mil tambores ecoando na tarde de outono... caminhou até próximo do mar... agradecia por tudo que a vida havia lhe proporcionado, amigos, amores, viagens, conversas, conhecimento, experiência... tantas coisas... turbilhão... em sua mente um filme acelerado rodava sem parar... rostos, lugares, sorrisos, alegrias... também lembrava das mágoas, mas preferia fingir que essas não existiam... chorava uma cachoeira... entrou na água gelada... suas lágrimas de misturaram com o mar e as duas se confundiram... ambas salgadas, poderosas e cheias de significado... mãos ao céu, um grito mudo em sua garganta. Era um momento único onde sentia-se mais próximo do que nunca do segredo da criação, do âmago da terra, da essência. Virou de costas, seguiu de volta para casa e foi logo dormir. Deitado na cama meditando teve a certeza de que sua passagem seria tranqüila, como aquele dia havia sido. Tudo tem seu tempo, inclusive as pessoas, e o seu havia chegado. Fechou os olhos pela última vez na terra para abri-los tão somente na leveza da eternidade.

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